Todos que estudam filosofia acabam se deparando não apenas com o problema da utilidade, isto é, encarando questões que põe em dúvida sobre a utilidade da filosofia em nossas vidas, mas também lidam com perguntas acerca da própria realidade. Como, afinal, podemos conhecer as coisas? O que é verdadeiro? O que é real? Ou ainda, existe mesmo certo e errado na história, ou tudo é uma questão de perspectiva? Entre essas questões distintas, atualmente parece-me que todas elas estão ficando extremamente difíceis de responder, principalmente, por compartilharem um problema em comum, no qual começa tornar-se claro, a partir da análise de uma expressão rotineira pouco estudada e pouco valorizada, “somos seres visuais”.
Quando nascemos, a abertura dos olhos aparenta ser a primeira brecha criada entre o sujeito recém-nascido e o enorme mundo que o espera. Assim, as novidades desse novo mundo, saltam à vista, até nos acostumarmos com aquelas paisagens. É claro que alguns, portanto, podem começar a discordar da expressão, pelo simples fato de nascerem milhões de pessoas sem estímulo visual, cegos. E mesmo sendo cegos, ainda possuem noção da realidade que o cerca, pois os outros sentidos os norteiam.
Com efeito, digo que essa objeção é extremamente válida, uma vez que podemos viver e entender como lidar com o mundo por meio dos mais distintos sentidos sensoriais. O que seria de nós, por exemplo, sem o olfato para nos salvar de ingerir comidas podres, ou do tato para percebermos o excesso de frio e calor de uma superfície? Por essas e outras, a expressão que afirma sermos seres visuais, o afirma, por levar em conta os outros olhos, no qual Platão, um grego que nasceu em meados de 428 a.c, já havia notado.
Possuímos os olhos da razão, e eles que deveriam o foco de nossa atenção. Talvez, o evento da abertura dos olhos em um bebê seja tão especial para a família, para servir com um enorme lembrete e uma boa analogia prática, para entendermos que só iremos compreender a nossa realidade, quando focarmos nos olhos. Mas no caso, dar valor e foco aos olhos corretos.
Os olhos são tão importantes, que já na bíblia em Mateus 6:22 são ditos como a luz do corpo. Sendo os olhos a nossa luz, que guia clarificando os objetos de nossa atenção, demonstram ser muito importante, ao ponto de tomarmos cuidado com o que expomos a eles, pois os olhos que observam o mal, também o praticam. Platão confiava nisso, e por isso dizia que aquele que consegue enxergar o que é justiça, jamais poderia cometer atos injustos, pois na sua visão só teria em foco, atitudes e práticas justas.
Em uma análise para entender porque atualmente tudo parece incerto na política, onde nada parece ser real ou verdadeiro, fica claro entender o motivo da dificuldade de se enxergar uma luz no fim do túnel para essas questões do início do texto, não só porque menosprezamos esses olhos racionais, mas também, porque vivemos num sistema que atira a todo custo, inúmeras imagens que nos iludem e confundem perante a realidade e menosprezam o trabalho daqueles que pretendem anunciar a política dos outros olhos.
Vivemos num tempo onde se prevalece e privilegia a velocidade de embriagar-se de informação e não de conteúdo, numa espécie de criação de uma geração veloz e vazia, atiramo-nos no escuro ou no excesso de luz, onde as imagens que saltam aos olhos são confusas, embaçadas e, portanto, ludibria a todos aqueles que não prestam atenção aos seus olhos racionais. Ora, uma cidade que é mal educada, julga necessariamente, mal.
Por isso, quando Platão diz ser o filósofo aquele que melhor cabe no cargo de governante, ele quis mostrar para seus cidadãos que quem deve estar no controle da direção, é aquele que melhor poderia formar um ensaio sobre a cegueira. O filósofo que nada prática, é o que melhor observa, porque estamos ocupados o tempo todo em tentar focar nesses olhos esquecidos pela maioria.
Atualmente, numa crise política e sanitária, somos bombardeados de paisagens duvidosas, mas essa crise em especial que estamos enfrentando, parece ser ainda mais complicada, porque estamos sendo finalmente forçados a entender a analogia posta de forma natural. Na rua, com máscaras, somos obrigados a lidar com os olhares fuzilantes das pessoas que nos passam o tempo todo.
Dentre todas as incertezas acerca do inimigo que estamos combatendo, temos uma única certeza, somos agora obrigados a entender a política dos bons olhos. Aquele que enxerga para onde quer ir e, que finalmente entende que o pior cego é aquele que não quer ver com os outros olhos.
A publicação deste conteúdo está em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Filosofia, que evocam a “percepção da integração necessária entre a filosofia e a produção científica, artística, bem como com o agir pessoal e político” enquanto uma competência necessária a ser desenvolvida pelos cursos.