Atendentes de telemarketing sofrem com desumanização
Por Melanie Scheer e Evellyn Torres.
Quem trabalha com telemarketing no Brasil sabe que as dificuldades dentro da profissão existiam muito antes da pandemia. A pressão, a busca pelo cumprimento de metas estipuladas pela empresa, além dos xingamentos, são algumas das situações que evidenciam a desumanização da função. Esses fatores, somados ao coronavírus, agravam os problemas relacionados à saúde mental dos trabalhadores.
Marina Cintra, 26, ex-operadora de uma empresa de telemarketing que atendia um banco, afirma ter tido muita ansiedade e sofrido muita pressão no antigo emprego.
“O problema é que você não consegue respirar. É um ambiente extremamente controlado, tudo o que a gente faz é marcado no tempo certinho”, conta.
Atualmente, está em home office pela empresa atual, que é prestadora de serviços para um grande marketplace.
O levantamento “ConVid – Pesquisa de Comportamentos”, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com duas universidades, aponta que cerca de 40% dos entrevistados tiveram dificuldades, de grau moderado a intenso, para a realização das atividades de rotina e trabalho.
As empresas de prestação de serviços empregam mais de 1,5 milhão de jovens e adultos com idade entre 18 e 29 anos, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel).
A profissão é encarada como porta de entrada para o mercado de trabalho, uma vez que muitas vagas não exigem experiência profissional, além de não ser necessário diploma de nível superior para exercer o cargo. Os profissionais recebem, em média, um salário-mínimo (R$1.100 em 2021) e a rotina de trabalho pode ser considerada exaustiva porque, apesar de trabalharem 6h diárias, são monitorados a todo o momento. Seja durante as ligações e seu tempo de duração, as pausas para descanso ou o tempo em que ficam em seus computadores.
O operador José Assis, 23, conta que “fica todo mundo no seu pé. É muita pressão. Você fica numa apreensão porque é muito competitivo, é muito desgastante”.
Victor Moreira, 30, explica que “em relação à saúde mental, é complicado. Acho que o pior de tudo nem sequer é a relação com o cliente, é a pressão mesmo do trabalho: meta, cobrança… Essa pressão constante, que acho que é típica de todo call center, é o pior, é o que que mais afeta a saúde mental”.
Do outro lado da linha, clientes irritados e insatisfeitos por problemas causados pelas empresas acabam descontando a raiva nos atendentes.“São vários clientes que xingam, falam que a gente é incompetente, às vezes falam palavrões”, revela Marina. Já Victor conta que sofreu ofensas homofóbicas e xingamentos durante o exercício da profissão.
“Eu tenho depressão já faz alguns anos, então está sendo um pouco difícil. Como clientes assediadores que entram em contato e acionam vários gatilhos”, desabafa Carolina, 21, que prefere não revelar o sobrenome. Após vários casos de assédio sexual e moral em ligações, foi incluído um script de encerramento de chamada para esse tipo situação na operadora em que ela trabalha, que atende um grande cliente de tecnologia.
Em nota oficial, o Sintratel respondeu às críticas dos trabalhadores à organização. “O sindicato, mesmo com suas condições estruturais e financeiras debilitadas após a reforma trabalhista, tem construído o diálogo com os trabalhadores, inclusive, com o uso da comunicação e de mídias digitais.”
O documento finaliza citando que “neste período de pandemia, toda a diretoria está destacada para realizar o atendimento direto aos operadores através de diversos meios de comunicação, que passam por telefone, WhatsApp, e-mail e outros mecanismos digitais que o período nos impôs e que vieram para permanecer”.