Por Andressa Barbosa, Barbara Almeida, Carolina Antunes, Gabriel Santos, Orlando Augusto e Pedro Negri.
“Primeira coisa: em 19 de Abril, não fale “feliz dia do índio”, não mande mensagem. Compartilhe o que está acontecendo com a gente e com os nossos povos.
Segunda: Não fale por nós, convide um indígena para estar falando sobre e compartilhando. Nunca passar por cima da gente e da nossa fala, sempre respeitá-la.”
– Jessyca Yakecan, ativista indígena potyguara.
A população indígena é vítima de apagamento histórico dos seus valores culturais há mais de 500 anos, fruto da violência contra seus povos e da dificuldade de acesso aos seus direitos mais básicos, mesmo sendo assegurados por lei. Como guardiões da floresta, os nativos garantem a preservação da biodiversidade por meio de reflorestamentos e agroecologia.
No Brasil, existem em torno de 305 etnias indígenas, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Aproximadamente 60% da população indígena brasileira vive em suas aldeias dependendo de recursos governamentais e preservação ambiental.
Até hoje os povos indígenas do Brasil exigem a efetivação dos direitos territoriais reconhecidos pelo artigo 231 da Constituição Federal de 1988, cujo texto determina o reconhecimento do direito dos indígenas às terras de ocupação tradicional e quem são seus titulares.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) entra neste processo como espaço de resistência:
“A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Cabe à FUNAI promover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de monitorar e fiscalizar as terras indígenas. A FUNAI também coordena e implementa as políticas de proteção aos povo isolados e recém-contatados”
assegura em seu site oficial.
Entretanto, com a medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, as atribuições que eram responsabilidade da FUNAI foram repassadas para o Ministério da Agricultura. Nesse contexto, o embate de forças é evidenciada com as áreas que estão em disputa entre as forças do agronegócio: coloca-se em xeque a conservação da biodiversidade e a concretização dos direitos territoriais de populações tradicionais.
O projeto de desmonte do órgão é o maior em décadas. A nova gestão promove caça à “comunistas” e “ongueiros”, e nomeia cargos sem experiência no setor — mas que sigam cegamente orientação da bancada. “No Brasil, hoje, a maior parte do território que ainda não está nas mãos do agronegócio são as terras indígenas. Vemos os fazendeiros querendo se apossar desses territórios, não é atoa que temos visto que a Amazônia, o Pantanal e várias reservas indígenas estão sendo atacados através de fogo”, declara Olinda Yawar, jornalista, documentarista e cineasta, membro da tribo Tupinambá de Olivença e também Pataxó Hãhãhãe, da tribo Caramuru-Paraguaçu do Sul, na Bahia.
A índia tupinambá-pataxó refere-se aos incêndios que consumiram reservas preservadas em grande parte do território norte e centro-oeste do país. De acordo com levantamento inédito feito pela organização Global Forest Watch, terras indígenas foram devastadas por mais de 115 mil focos de incêndio desde o início do ano até 29 de outubro. “Para eles é muito mais fácil começar a adentrar os territórios quando já estão mais degradados”, continua ela.
Das mais de 724 terras consideradas no levantamento, 448 já registraram incêndios esse ano segundo dados da NASA – o que equivale a 61% das terras indígenas no país. Dentre as tribos mais afetadas então as do Xingu, no Mato Grosso, o Parque do Araguaia, no Tocantins, e a Kayapó, no Pará.
A violência contra os povos indígenas no Brasil não é apenas escancarada, mas também dissimulada, levada a cabo por entre frios gabinetes e burocráticos documentos oficiais.
A Funai, já debilitada por orçamentos muito baixos ao longo dos últimos anos, agora está sem dinheiro e sem pessoal para tocar os programas e políticas de proteção e apoio aos povos indígenas. Essa é uma decisão política do atual governo com apoio do que há de mais atrasado e violento no país: fazendeiros, madeireiros e evangélicos de extrema-direita.
“Esse governo atual fala escancaradamente que não é a favor de povos indígenas, quilombolas, pobres… Ele está aí para ajudar empresários, quem deve milhões na justiça ele quer perdoar as dívidas, ele quer afrouxar as leis ambientais…”
afirma Benício Pitaguary (28), artista plástico e comunicador do perfil Mídia Índia no Instagram (@midiaindiaoficial), residente da aldeia Monguba do Povo Pitaguary, no Município de Pacatuba, no Ceará.
Sua fala acerta como uma flecha o âmago da política bolsonarista que tem regido o país em nos últimos dois anos de mandato.
O Supremo Tribunal Federal (STF) criou uma ação denominada Marco temporal, que afirma que os povos indígenas residentes à época da Constituição de 1988 garantem a proteção das reservas e asseguram a demarcação de suas terras – o que é uma violação aos direitos indígenas fortemente criticada, tendo em vista que algumas tribos foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar, não tendo tempo para reivindicar suas posses até o momento da declaração, e muitas outras sequer tiveram seu território efetivamente demarcado à época.
Parece que se esqueceram que todo o Brasil é território indígena.
“O marco temporal representa a maior violação de direito dos indígenas em toda história, acho que até mesmo do que a Colonização. Porque quando chegou a colonização, os indígenas não tinham ciência do que era o direito, jurisdição, o que estava acontecendo…” afirma Benício.
“Então a gente vê várias formas de danos, não só à comunidade indígena, mas ao meio ambiente, pautadas no marco temporal, que é quase como um aval para desmatar. É uma coisa muito parecida ao que aconteceu aqui no Ceará: um decreto dizia que não existia mais indígenas, porque onde é território indígena é automaticamente território da união e não pode ser degradado. Isso ia facilitar a entrada desse tipo de empreendimento dentro dos territórios que seriam de indígenas, mas depois foi revogado…”
Aqui, o artista se refere ao Relatório Provincial de 1863, que dava com extinta a população indígena do Ceará. No documento assinado pelo então presidente da província, José B. C. Figueiredo Júnior, constava a informação de que, entre os indígenas aldeados que ali habitavam, uma parte fora dizimada e a parte restante havia migrado ou se descaracterizado. Desde então, a ideia de que não havia mais povos indígenas no Ceará foi tão amplamente disseminada que até hoje é difundida.
“Os povos indígenas conseguiram derrubar esse decreto e depois de um ano o governo fez uma retratação pública, um pedido de desculpa oficial, algo assim. Mas aconteceu, e o que aconteceu não apaga as mortes que aconteceram e o tanto de dor que causou. O marco temporal é a mesma coisa, mas em escala nacional”, completa Benício.
Para mais informacoes, acesso o site: https://aborduna.wixsite.com/aborduna.
O Projeto Aborduna foi desenvolvido por alunos de Jornalismo da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação.