Museu expõe luta de presos na ditadura

Memorial ocupa o antigo prédio do DEOPS, local de repressão no período

Por Evellyn Torres e Melanie Scheer.

Ao lado da estação da Luz, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS) funcionava como centro de repressão, tortura e perseguição a presos políticos contrários à ditadura (1964-1985). Desde 2009, o espaço foi transformado em museu para preservar a memória das vítimas. Foi assim que nasceu o Memorial da Resistência, que é pautado na pesquisa, documentação, preservação e comunicação com a sociedade para o exercício da cidadania e dos direitos humanos.

O prédio, que atualmente comporta a Pinacoteca de São Paulo e o Memorial, foi fundado e projetado em 1914 pelo arquiteto Ramos de Azevedo. Até 1938, abrigava os escritórios e armazéns da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, que transportava sacos de café. De 1940 até 1983, parte do prédio tornou-se sede do DEOPS, órgão criado em 1924 para manter a segurança e a ordem do Estado, muito utilizado durante a Ditadura Militar.

Para a historiadora, pesquisadora e professora Maria Cecília Martinez, mestra em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), “esses centros de memória são a possibilidade de não se jogar toda a crueldade desse período para debaixo do tapete e entrar no lixo da história. É preciso mesmo manter esse processo vivo”.

Helena de Souza, hoje com 61 anos, sofreu com a perseguição política na época. Em 1984, com 25 anos, atuou como metalúrgica na fábrica da Ford em São Paulo. As condições de trabalho eram péssimas, com muita opressão às mulheres. Ela afirma que, dentre 5 mil funcionários, 90% eram operárias. Uma greve foi organizada e durou uma semana, reunindo todos os setores. Com a paralisação, 120 pessoas foram demitidas. 

Helena mudou de vida, estado e encontrou dificuldade em arranjar emprego por ser grevista. Chegou a ser detida por entregar boletins em uma escola secundária. Apenas em 2013, 28 anos depois, foi anistiada por perseguição política da Ford. Quando iniciou o processo de anistia, lidou com a falta de registro.

“Não tinha mais, porque estava tudo em papel, foi para arquivo morto, desapareceu. A única coisa que eu consegui foram arquivos da Folha de São Paulo, que eles digitalizaram”, relata.

Por isso, ela acredita na importância da documentação sobre o período. 

O Memorial possui uma linha do tempo, com fotos e painéis sobre os fatos desde a República (1889), e uma seleção de lugares que foram marcados pela ditadura. O foco se encontra nas celas. A primeira conta sobre a implementação do Memorial. A seguinte é para explicar o que acontecia nele. Já na terceira cela, existem inúmeras inscrições nas paredes com nomes e frases, e dois colchões no chão que recriam o ambiente com base em relatos de ex-presos. Na quarta cela, é possível ouvir as falas dos encarcerados e, no centro, encontra-se um vaso com uma flor em cima de um caixote, como símbolo de solidariedade às vítimas. 

“[Hoje] a gente ouve, infelizmente, muitas vezes, um discurso que fala favoravelmente sobre o período da ditadura. E eu não tenho dúvida que claro – uma parte dessas pessoas, por uma questão de concordância – mas outra parte por uma questão de desconhecimento, por de fato não ter tido a oportunidade de ver recuperada, de ver discutida e analisada toda essa trajetória do autoritarismo”, conclui Maria Cecília.

Com a pandemia do coronavírus, as visitas ao museu devem ser agendadas pelo site. A entrada é gratuita, de quarta a segunda, das 10h às 18h.

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